quarta-feira, 27 de maio de 2009

Um dia no CAT

A institucionalização de crianças e jovens deve ser encarada como último recurso, e apenas deve servir como “bengala” para evitar uma queda desastrosa. Apesar da institucionalização ser uma solução, hoje em dia, ainda sobressaltam mil dúvidas sobre as instituições, que se tornam os “lares alternativos”. Como será o dia destas crianças, que por circunstancias da vida, tiveram que abandonar os seus lares, para partir temporariamente para outro lar? Para esclarecer essa dúvida, fomos averiguar... E passamos o dia com os meninos do CAT!

“Uma casa chamada Lar”


No Centro de Acolhimento Temporário (CAT), o dia começa bem cedinho. Situado no Centro Cultural e Social de Santo Adrião, CAT é uma instituição, uma “segunda casa” para as crianças que se lá encontram. Como o próprio nome indica, esta casa é temporária, o que significa que nenhuma criança lá permanece mais do que um período de cerca de um ano e meio. Durante esse tempo, é realizado um acompanhamento tanto às crianças, como aos pais ou tutores legais.
No total são 12 as crianças que estão ao cuidado desta instituição, seis meninos e seis meninas. Todos eles são diferentes, têm idades diferentes, necessidades diferentes… Torna-se difícil conciliar tudo isto, mas com esforço tudo se consegue. Desde que entram para o CAT, às crianças é-lhes incutido o sentido de responsabilidade, não só nas tarefas que terão que desempenhar, como com os seus próprios afazeres escolares.
O dia começa, todos se levantam, à mesma hora, para o pequeno-almoço, em conjunto, na cozinha. Existem seis quartos, cada um deles com duas camas, que se dividem pelos rapazes e raparigas: ala esquerda para as meninas, ala direita para os meninos. Conforme se vão levantando, fazem a sua própria cama, preparam-se e seguem para a “reunião” na cozinha. Acaba-se o silêncio, as mochilas amontoam-se ao pé da porta de entrada, a zaragata começa. À mesa, as conversas paralelas são uma constante e poucos se importam, verdadeiramente, com o pequeno-almoço. A funcionária que o serve já “bufa” de tão atarefada que está. Leite com cereais ou um simples copo de leite acompanhado por um pão. A mesa é rectangular, grande, a toalha era branca, mas rapidamente se transformou, ganhou um novo padrão, de tanto leite com chocolate derramado! Nem 20 minutos passaram e chega o motorista para recolher as crianças que têm de ir para a escola: “Meninos, quem vem hoje?”, questionou o senhor com uma voz doce e um sorriso na cara. Parte da mesa levanta-se. Os meninos que andam na primária são os primeiros a ser entregues, são fixos, uma vez que todos os dias têm que ir à mesma hora. A estes juntam-se mais dois, que frequentam o segundo e terceiro ciclos. Um deles só tem aulas às nove, mas aproveita a boleia.
Os outros meninos vão para o Centro de Acolhimento de Tempos-livres (CATL), enquanto as funcionárias ficam com território livre para realizarem as limpezas diárias. Para o Centro vão, não só as crianças do CAT, mas também outras que se encontram em situação de risco. A maioria delas frequenta o Centro porque se encontram numa situação de vulnerabilidade e, pelo menos enquanto lá estão, recebem um tipo de apoio que em casa não encontram. Podemos mesmo dizer que muitas delas são potenciais casos para uma possível institucionalização.
A salinha do CATL é pequenina mas está bem apetrechada. Tem computadores, DVD, televisão, Playstation, bilhar, muitos livros e, claro, as tradicionais mesas e cadeirinhas. As paredes estão repletas de colagens, trabalhos feitos pelas crianças, planos de actividades e um cantinho reservado à fotografia do menino do mês, isto é, aquele que esteja de parabéns. No CATL fazem-se, essencialmente, trabalhos manuais. No dia em que lá estivemos, com a ajuda de uma estagiária, estavam a ser feitos os trabalhos para o Dia da Mãe, algo simples, mas cujo resultado surpreendeu. Resumia-se a um sabonete em forma de coração, decorado com purpurinas e envolto numa caixinha feita de papel esponja vermelho, também ele em forma de coração. A isto juntava-se um
pequeno cartãozinho com as tradicionais palavras “Feliz dia da Mãe” ou até algo mais para aqueles cuja imaginação voava. “Eu não vou fazer para a minha mãe, vou fazer para a minha tia, porque ela é mais importante para mim”, afirmou com convicção uma das crianças.
Paralelamente a estas actividades, decorria uma reunião, no cantinho da sala, entre os técnicos do CAT e os do CATL. Nessa manhã, estavam também presentes duas estagiárias de Psicologia para conversar com dois irmãos. Esta é uma rotina comum no Centro, uma vez que todas as crianças são acompanhadas regularmente por psicólogos que fazem frequentes avaliações, e nada melhor que o ambiente longe da família para o fazerem, evitando assim pressões por parte dos pais. Os irmãos não facilitaram, de todo, o trabalho das psicólogas. O mais novinho decidiu fazer uma birra e não largar a irmã, tudo porque queria que o seu trabalho fosse igual ao da irmã e insistiram para que não o fizesse. Foi preciso um bom tempinho e várias manobras para o convencer a largar a mana, para esta poder conversar com a psicóloga.
E num “pulinho” a manhã passou. A hora de almoço aproximava-se e teria de ser cumprida, uma vez que a maioria daquelas crianças tinha aulas à tarde. Por sua vez, as que tiveram aulas de manhã não tardavam a aparecer. O almoço não foi na cozinha do CAT, não tem capacidade para tanta gente, foi sim na cantina, onde se juntam não só as crianças mas também os idosos, que se encontram no centro de dia de Santo Adrião.
Findo o almoço, para alguns, o ritual do motorista repete-se. Desta vez, para ser mais rápido, saem duas carrinhas com crianças. Nota-se um sossego, a desarrumação é bem visível, parece que um furacão passou por ali. Porém o caos não dura por muito tempo, já que as funcionárias se apressam a arrumar tudo, para poderem receber os meninos que ainda estão para chegar.
De tarde, há sempre mais crianças. O dia estava lindo, o sol brilhava, a temperatura estava bastante agradável, não fazia sentido fechar as crianças entre quatro paredes. Por isso, decidiram fazer uma actividade desportiva, uma tarde radical que somava desportos como rappel e escalada. Aproveitámos a calma para “explorar” e tentar perceber as lógicas de funcionamento do CAT. “Aqui somos todos uma família. Tentamos sempre passar essa ideia às crianças”, disse-nos Teresa Antunes, a coordenadora do CAT. Deram-nos total liberdade para ver o espaço, fazer perguntas, falar com o pessoal interno, o que ajudou em muito para a compreensão geral do funcionamento do Centro. As instalações têm muita cor, brinquedos espalhados, salinhas de convívio, trabalhos espalhados pelas paredes… Os direitos e deveres de todas as crianças estão bem patentes, sobretudo se dermos uma olhadela pelos dormitórios, onde encontramos de imediato uma grande cartolina a especificá-los. Os quartos distinguem-se bem: nos das meninas predomina o rosa, no dos meninos o azul. As camas são de solteiro, separadas por um pequeno móvel com um candeeiro e, mais uma vez trabalhos com o “dedinho dos hóspedes”.
O relógio marcava seis horas da tarde, quando as crianças regressaram. A chegada foi bastante notada, a zaragata característica voltava. Era hora do banho e de fazer os trabalhos de casa. O jantar é servido bem cedo, para se seguir um momento de convívio e conversa e para, mesmo assim, se deitarem cedo.
Estava na hora de partir. Despedimo-nos, agradecemos e garantimos que voltaríamos. A caminhada até casa foi longa, a conversa estava alucinante, nenhum pormenor escapou, discutimos opiniões, detalhes, mas numa coisa concordámos: apesar da rotina, haveria sempre algo de novo para contar, todos os dias…



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